Celina Brod
Uma escrita de despedida
Celina Brod
Mestre e doutoranda em Filosofia, Ética pela UFPel
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Engana-se quem pensa que determinadas experiências podem ser contabilizadas em dias, nas horas de voo de uma chegada e partida ou sentidas pela mudança das estações. Nem contabilizadas, nem administradas com precisão. Eu calculei mal meu retorno, imaginei que precisaria apenas de um intervalo alongado para retomar minha escrita aqui com vocês. Foi então que me escutei e percebi que não era uma vírgula que eu precisava, mas um ponto final. Depois de três anos e mais de 70 textos, me despeço desse ciclo do qual me doei sem esforço; sem esforço porque fiz deste espaço a minha casa. Desde a primeira coluna, prometi para mim mesma que eu escreveria sem medo do desconforto alheio, do olho revirado daquele que enxerga o diferente no espelho, tampouco eu escreveria em busca de aplausos. Meu desejo era colocar o pensar em movimento entre as trincheiras sólidas erguidas por uma sociedade que se habituou a sentir um "nós contra eles". Minhas ferramentas eram a frieza analítica da filosofia e a poesia da experiência viva.
Escrevi sobre ideologia, tribalismo, guerra, amor, fanatismo, ignorância, esquecimento, exaustão, deveres, dúvidas, estupidez, injustiça, riso, hábitos, vícios, virtudes, envelhecimento, existência, racionalidade, sentimento, confiança, liberdade e escravidão. Não esgotei as coisas que quero escrever, a vida é inesgotável e nossa condição humana sempre pequena para o tamanho do mundo. Mas, diferente das imagens incessantes e contínuas do feed de notícias, que se comportam feito chiclete de gosto duvidoso na boca, a vida humana, pelo menos aquela que atende a pedidos sensíveis, é costurada por inícios e fins. São as conclusões que dão sentido aos segundos incessantes, são elas que transformam a pedra de Sísifo, aquela que somos obrigados a rolar todos os dias para cima, em narrativas.
Não foi fácil tomar essa decisão, pois este ponto final misturava-se ao sentimento de abandono. Porém, abandonar é uma palavra que só serve para aquilo que temos obrigação. Meu espaço aqui com vocês jamais foi uma obrigação, mas uma escolha. Um sim que eu dei para cada palavra que pensei e para cada frase que montei. Eu escrevo para transbordar o que vejo, sinto e penso. Neste momento, meu pensar e olhar precisam de silêncio para escrever uma tese. Uma tese que fala sobre como nossas crenças podem ficar atrofiadas pela repetição de ideias imitadas. Meu objeto de estudo, crenças fanáticas, me ensinaram muito, como a importância do desapego. Desapegar-se não é fácil, requer coragem para atirar-se no desconhecido.
Ontem à noite, antes de dormir, li as seguintes palavras do filósofo Byung-Chul Han, em sua pequena obra Favor fechar os olhos: "O inquietante na experiência de tempo atual não é a aceleração como tal, mas sim a conclusão faltante, ou seja, a falta do ritmo e do compasso das coisas". É por sentir o ritmo e perceber o compasso das coisas que estou me despedindo e dando uma conclusão. Assim como entrei por escolha, também concluirei por escolha. Saber concluir é saber encilhar novos caminhos, novos destinos e provocações. Minha escrita segue viva e continuará sendo compartilhada sempre que transbordar. Me despeço apenas desse lugar aqui, com a certeza de que cumpri o meu desejo mais profundo: exibir para vocês as ideias e sentimentos que carrego ao lado da Filosofia, minha eterna e fiel amante.
Obrigada, meus leitores, por tudo. Obrigada por me acompanharem nessa aventura. Aguardo vocês para as próximas que virão.
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